Nenhum país que tem a educação como prioridade está alheio às discussões que inflamam especialistas e afetam as vidas de pais e estudantes. O que ensinar a crianças que não necessitam mais do saber enciclopédico, porque têm acesso a informações de qualidade ao toque do mouse, mas que devem ser talhadas para enfrentar problemas e ofícios que nem sequer se imagina quais serão? (Monica Weinberg)[1]Se Dorival Caimmy queria saber o que é que a baiana tem, o mundo quer saber o que Coreia do Sul e Cingapura têm para emergir de um passado miserável como dois dos quatros “tigres asiáticos”, ao lado de Hong Kong e China. Os que responderam “a educação”, acertaram na mosca! Educação de qualidade e pública. Claro que esses países não têm terra agricultável, minérios, petróleo e riquezas naturais. Em Cingapura falta água que, até há pouco tempo, era importada da Malásia. O sucesso e o vigor dos modelos aqui tratados só poderiam ter origem cultural. Coreia do Sul e Cingapura são os campeões na área da educação e de produção de conhecimentos. A Coreia do Sul ocupa um território 70% montanhoso, pouco adequado à agricultura. Em 1970 não tinha fábricas de automóveis, não tinha siderurgia nem qualquer indústria. Ocupada de 1910 a 1945 pelo Japão, o país só começou a existir modernamente ao fim de uma terrível guerra civil interrompida em 1953, que separou as duas Coreias. Hoje a pequena Coreia do Sul é um gigante industrial construído em menos de 50 anos — lidera a construção naval e o uso da Internet, possui 700 mil patentes (Inglaterra e Alemanha têm 500 mil e o Brasil 40 mil) e é conhecida pelo tamanho e qualidade das suas indústrias eletrônica e automobilística. Cingapura – minúsculo sultanato da Malásia até o começo do século XIX, com uma área inferior a 1.000 km2 e que não tem nem sequer tem um povo próprio — foi fundada em 1819 pelo militar, administrador colonial e naturalista britânico, Thomas Stamford Raffles. Na Segunda Guerra Mundial sofreu a ocupação dos japoneses e depois voltou a ser protetorado inglês. Sua história independente moderna começa em 1965, partindo exatamente do zero. Cingapura tornou-se, em menos de 50 anos, um gigante financeiro e comercial. Tem o segundo maior porto do mundo, atrás apenas de Hong Kong. Depois de Nova York e Londres, é o terceiro maior centro financeiro do mundo e tem o terceiro maior Produto Interno Bruto (PIB) per capita do mundo (em poder de compra). O que gerou tamanha riqueza nesses dois vigorosos “tigres asiáticos”? Eles tinham metas a cumprir. Valores a zelar. Obrigações e mais obrigações. Sabiam que primeiro tinham de aprender, e muito. Professores ensinando ao máximo, alunos aprendendo ao máximo, com prioridade para a formação de economistas, engenheiros de alto nível e mão de obra altamente qualificada. Quando começou seu salto educacional, a Coreia do Sul, que não tinha professores bem preparados em grande quantidade, investiu em cursos de formação, convidou professores estrangeiros e hoje conta com uma classe de professores altamente capacitada. Com isso, aumentou o total de alunos por sala, bem acima do que o mundo estava acostumado a ver. Nas escolas sul-coreanas e de Cingapura os professores, os alunos e os diretores das escolas têm padrões de desempenho a cumprir e metas sempre crescentes. O pragmatismo em ambos os países conduziu a educação para o aprendizado dos alunos e para os resultados. O que nunca faltou — na quase britânica Cingapura e na exclusivista Coreia do Sul— foram metas a cumprir, deveres e deveres. Corroborando esse cenário, o estudo “Como os Sistemas Escolares de Melhor Desempenho do Mundo Chegaram ao Topo”[2], da consultoria americana McKinsey, ainda em 2008, identificou as medidas que levam esse seleto grupo de nações aos lugares mais altos nos rankings dos exames internacionais — selecionar os melhores professores, cuidar da formação docente, não deixar nenhum aluno para trás e capacitar equipes de gestores. O relatório da consultora McKinsey é taxativo — o conhecimento do docente e sua atuação em sala de aula são decisivos para o desempenho da turma. Entretanto, não basta recrutar os melhores professores e formá-los bem. É preciso mantê-los sempre atualizados por meio de mentoria, trabalhos em grupo, cursos sobre as didáticas específicas, itens dos quais a Coreia do Sul e Cingapura não descuidam. Em ambos os países, os futuros professores são selecionados entre os 5% melhores alunos do ensino médio e enfrentam uma formação exigente e provas difíceis para ingressar na carreira. Por lá, ser professor é uma honra, e os mestres recebem salários compatíveis com essa honraria. Cingapura passou de uma economia agrária à categoria de “tigre asiático”, a partir da década de 1970, tendo a educação exercido um papel decisivo nessa transformação. Os dirigentes escolares foram capacitados para aplicar conhecimento teórico e prático de forma criativa e inovadora, pois as escolas deveriam estar preparadas para atender a era pós-industrial. Por sua vez, se hoje a Coreia do Sul é um gigante industrial que cresce a taxas superiores a 10% ao ano, isso deve isso a um pesado investimento tecnológico, sustentado por uma educação de alto nível, baseada na eficiência do corpo docente, no nível exigente de ensino, no uso de tecnologia (primeiro país a usar banda larga em todas as escolas), na conscientização da família[3] e na meritocracia. Entre todas as políticas adotadas pela Coreia do Sul nos anos 1960 para aumentar os índices educacionais do país, uma colheu efeito excepcional: o investimento público concentrou-se no ensino fundamental e ficou a cargo da iniciativa privada cuidar da proliferação do ensino superior. Hoje os sul-coreanos gastam duas vezes mais na formação de um universitário do que na de um aluno de ensino fundamental, o que é uma proporção equilibrada para padrões internacionais (no Brasil, um universitário custa 17 vezes mais). Mas há um efeito negativo nisso que nós, brasileiros, consideramos uma sorte danada: a pressão sobre os jovens por bons resultados em testes é tanta que contribui para a Coreia do Sul figurar entre os países com a maior taxa de suicídio na adolescência. Além disso, a ênfase na memorização tem sufocado a oportunidade de surgirem criações disruptivas. Apesar dos bons resultados nos exames como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), por exemplo, a fama dos alunos não é tão grande quando o assunto é criatividade, comunicação e improviso. No novo mundo da criatividade e da flexibilidade, esses “tigres asiáticos” dependem da criatividade de empresas de garagem do Vale do Silício, onde garotos indisciplinados ditam o que os asiáticos precisam copiar e baratear. As empresas hoje querem gente com autopropulsão, curiosidade, ausência de limites formais e capacidade de achar respostas—não pessoas organizadas e que sabem as respostas de cor. Preocupada com essa realidade, a atual presidente sul-coreana, Park Geun-hye, quer implementar um programa que vai colocar menos ênfase em resultados de testes e mais em explorar competências e habilidades para o século XXI por meio de atividades de aprendizagem baseadas em discussão e solução de problemas, trabalho em equipe, experiências e atividades ao ar livre, que promoverão a criatividade e o pensamento crítico dos alunos. Atualmente, esse novo programa é administrado em 2.551 escolas de ensino médio de todo o país, com cerca de 80% dos alunos participando. Para chegar a essa mesma conclusão que a Coreia do Sul, o sistema educacional cingapuriano passou, nesses últimos 50 anos, por três grandes fases: a primeira (1959-1978), conhecida como “fase da sobrevivência”, focada na expansão do ensino básico a todos os cidadãos; na segunda (1979-1996), a “fase da eficiência”, o país mudou o direcionamento da educação para adaptar-se às novas demandas mundiais: de economias baseadas em trabalho intensivo para as baseadas em competências, com pesado investimento em escolas técnicas; na atual e terceira fase, a educação voltou-se para o desenvolvimento da criatividade e aplicação de novas ideias. São experiências que devem ter nossa reflexão para servirem de modelo para repensarmos nossa educação. [1] Jornalista da revista Veja, em reportagem de 19/06/2015. [2] No site http://www.fvc.org.br/estudos-e-pesquisas/2008/como-sistemas-escolares-melhor-desempenho-mundo-chegaram-ao-topo-597753.shtml, é possível ler a íntegra do documento. [3] Enquanto a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) coloca os pais brasileiros entre os menos interessados na educação de seus filhos, os pais sul-coreanos destacam-se pelo alto grau de participação. Pais de crianças pequenas costumam gastar 25% da renda familiar com educação. Lembrando: participar da vida escolar dos filhos, na Coreia do Sul, significa seguir de perto a lição de casa, informar-se sobre o que a criança está aprendendo e incentivar a leitura de livros.